Antes do julgamento
Paulo Roberto
Antes do julgamento de valores, de visual estético e da própria situação econômica de cada um, existem julgadores que se esquecem de olhar para si diante do espelho e para dentro da alma quando de suas ações. Esquecem-se de agradecer a Deus pela oportunidade de contar sua história, de respirar o mesmo ar, de beber a mesma água e de poder partir pelo mesmo caminho que os trouxe à vida e nele percorrem até hoje.
Alguns costumam criticar o necessitado pela aparência que ele causa diante de seu pouco ou quase nenhum recurso, ao passo que reclama do emprego e do salário que tem, que já não permite esbanjar, calcular os juros e as correções de uma vida desregrada. Parece irônico quando você não gosta dessa ou daquela pessoa e à ela sempre recorre nos seus momentos de crise, de busca de auxílio, e mesmo contra a vontade existe apenas ela e você não tem como se esquivar, e às vezes pela dor, pela necessidade, pelo sofrimento, culpa ou pela profissão chega ao seu desafeto, ao seu inimigo e pede.
É também irônico quando alguém falta atropelá-lo na avenida principal ou na estrada, em alta velocidade, às vezes o vendo na chuva, noutras sob um sol escaldante ou até com o pneu furado, com uma mulher grávida no banco do carro enguiçado, com uma criança doente e sequer olha para você, e mais tarde, por um motivo ou outro essa mesma pessoa necessita de seu auxílio e você prontamente a atende, dando-lhe carona e cumprimentando-a com um tudo bem. Até oferece-lhe da sua água, dá-lhe um sorriso até. Isso alivia e não maltrata o seu corpo e o seu coração. O pior de tudo é recebermos favores e sequer atentarmos para saber o nome de quem nos ajudou, e ninguém costumar anotar isso, quer sempre mais.
Quando o julgamento é incoerente você não ouve os conselhos dos pais e sai correndo com os melhores amigos e amigas, mesmo que ecoem em seus ouvidos os conselhos de que esses não são seus verdadeiros amigos. Você não dá a mínima e quebra a cara, é tragado pelo álcool, engravida, sofre, fica dependente e vai criar sua cria a seu modo nenhum, sem direito à juventude, à experiência de vida dos pais, porque ignorou na saída e se resguarda em sofrimento e dor. Experiência de vida é para quem muito viveu ou para quem aprende a cada dia as lições que a vida dá? Às vezes o golpe de nossas línguas corta impiedosamente todos os ossos do corpo, já disse um pensador, e tombamos com todas as expressões, com todos os nossos preconceitos.
Julgar do tipo isso não acontece comigo ou com minha família é até temeroso dizer nos dias de hoje, não funciona mais. Criar filhos indisciplinados é ruim, mas sob tortura é recompensa e acúmulo de mais sofrimento. Os filhos melhores não serão mais inteligentes mantidos em casa por castigo, por peraltice ou desobediência. Assistem tv e querem copiar tudo o que as novelas editam, modas, baladas, bebidas, diversão e a lição vai sendo esquecida, página por página até o momento da necessidade que somente o tempo conhece. Rigidez, espancamentos, agressões verbais e físicas são vistas todos os dias no cenário familiar, social. As coisas mudam num piscar de olhos. Raramente os filhos pedem bênção aos pais. Não adianta manter o filho em casa porque ele chora a todo instante querendo aquilo que você não pode dar e comprar. Dê-lhe iniciativa própria, ferramentas, conhecimentos de que tudo o que se adquire tem um preço, e se alguém compra um objeto é porque gosta ou necessita e as coisas alheias só aos donos pertencem. Se você compra tudo o que ele pede e se afunda num mar de dívidas ele sempre vai querer vê-lo mergulhado, se afogando, porque você esqueceu dos salva-vidas, sempre diz sim e sorri diante do fracasso, do atraso de vida em que se encontra. Ninguém vai olhar diferente se você deixar de pagar aquela conta, mas vai achar estranha a sua reputação quando muitas se somarem. Uma coisa é honestidade; outra é compulsão. É melhor que eles saibam que até os sonhos nos dias de hoje têm limites, que procuramos economizar para comprar, que precisamos trabalhar para sobreviver, que precisamos ser felizes com os recursos de que dispomos nos lugares onde estamos, porque os raios do sol emanam calor e brilho, e a lua ilumina nossas noites escuras no momento certo.
É irônico você lamentar seu trabalho quando milhões de pessoas em pior situação sonham em ter um desses para si, para pagar suas contas, comprar uma casa, viajar, isso mesmo, economizando, não desperdiçando. Certo que você não se importa, não assina ponto, sai do expediente, volta apenas para confirmar a presença do dia, de dizer que esteve no local. Não lê uma notícia, acha tudo chato, um tédio, não procura interagir na vida funcional, quer aumento mas a cabeça está sempre vazia, assim como seu currículo com apenas seus dados pessoais, número do RG e do seu CPF. Mesmo assim, isto quer dizer que você é alguém importante mas não tem dado valor para isso. Não adianta invejar a vida alheia, principalmente de um trabalhador. Trabalhadores têm que ser recompensados, ganhar bem, dar dignidade à família quando está fora, mas nem sempre isso também acontece. Para isso Deus criou a nossa anatomia, cedeu-nos braços e pernas para a execução das atividades, com mente para decidir o que é certo ou errado. Se você tem formação superior e não o emprego esperado, calma, as oportunidades não aparecem num piscar de olhos.
Costumo às vezes dizer para meus filhos que procurem espelhar-se nos bons exemplos de vida, sempre relatando para eles a minha história. Ser humilde não faz vergonha a ninguém, mas ser arrogante e pedante ao nada que existe em você é tão pequeno quanto à recusa de não querer crescer. Tenho poucas amizades porque todas são verdadeiras, são meus melhores amigos, uma família, e acima de tudo são simples, senão não seriam amigos. Amigos são os que nos escutam e sempre se fazem presentes, não demonstram insatisfação, aborrecimentos, compreendem-nos e respeitam nossa dor e aflição. Quando alguém desabafa o mínimo que precisa é de confiança e de um ombro amigo, embora as lições adquira depois do pranto, e nada mais irônico do que se planejar meses a fio uma vida que se fez e emergirá para o mundo, com toda a oportunidade que ele oferece, se no seu engatinhar, cair e se levantar não houver lições, palavras de incentivo, de confiança e de amor. Será uma vida infeliz, dessas que teimam em não querer viver.